Uma destas companhias enviou um e-mail a uma repórter da Science fazendo-se passar por pesquisadora, oferecendo transferir a coautoria de um artigo previamente aceito para publicação no periódico International Journal of Biochemistry and Cell Biology, do publisher multinacional Elsevier, pela quantia de US$ 14.800. A adição de dois nomes (um primeiro autor e um autor correspondente) custaria US$ 26.300, sendo o primeiro depósito na aceitação do trabalho e o segundo após a publicação. A companhia chinesa Wanfang Huizhi informa através de seu corretor online que “para alguns autores, seus trabalhos não tem muita utilidade depois de publicados, e eles podem ser transferidos para você”. Como a repórter não efetivou a compra do artigo em questão, algumas semanas depois, o mesmo foi publicado no International Journal of Biochemistry and Cell Biology, com algumas pequenas alterações no título e resumo e dois novos noves como primeiro e segundo autor.

Ao ser contatado pela Science, que relatou a operação secreta, o gerente da Wanfang Huizhi negou que sua empresa vende autoria de artigos científicos, informando que sua área de atuação se limita atividades de tradução, revisão do inglês e submissão de manuscritos, atribuindo a atividade irregular a algum ex-funcionário e se comprometendo a “investigar o assunto”.

O tema, entretanto, não é novidade no cenário de publicações da China, como revelou a investigação da Science, que durou cerca de cinco meses. Os resultados mostram um mercado em expansão de um produto em alta na comunidade científica que não se atém a princípios éticos: trabalhos em periódicos indexados pela Web of Science, Thomson Reuters (Science Citation Index, SCI e Social Science Citation Index, SCCI) e pela Elsevier’s Engineering Index. Os preços apurados neste “mercado” podem variar de US$ 1.600 a elevados US$ 26.300. Os valores mais altos podem ultrapassar o salário anual de um professor assistente, porém quando se trata de obter promoções na carreira, os cientistas não hesitam em desembolsar estas quantias. O alcance dos agentes que comercializam artigos científicos é muito amplo, quase todos os editores e autores contatados pela Science estavam a par de suas atividades e já haviam recebido ofertas que englobam várias áreas do conhecimento. O mais popular motor de busca chinês, Baidu, que ostenta publicidade na forma de banners com os dizeres “SCI papers” ou “Ghostwrite and ghost-publish papers” permitiu encontrar dezenas de empresas que comercializam autoria de artigos científicos. Science investigou 27 agencias que comercializam publicações e apenas cinco delas se recusaram a escrever trabalhos como ghostwriters ou intermediar a venda de autoria. Dos artigos colocados à venda alguns apareceram em periódicos reputáveis enquanto outros não haviam ainda sido publicados.

A comercialização de publicações na China remete a uma questão mais ampla que é a crise na imagem internacional de confiabilidade e ética que o país vem enfrentando. Seu Presidente Xi Jinping, desde que assumiu em março de 2013, vem dedicando especial atenção ao combate à corrupção em vários setores. O negócio das publicações, entretanto é altamente lucrativo e todos os envolvidos tem algo a ganhar. O que está em jogo, entretanto, é a produção científica do país, que saltou de 41 mil artigos em 2002 para quase 194 mil em 2012, ficando em segundo lugar no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos. Em uma afirmativa de um respeitado físico da Academia Chinesa de Ciência “(Some scientists) are publishing better and better papers and getting into top-notch journals, but in the end they don’t even know what their papers say... they spend a lot of money hiring researchers to write them”.

Evidentemente, para tamanha oferta existe proporcional demanda. Além dos artigos publicados em periódicos no idioma chinês comercializados pelos agentes, o gold standard para a maioria dos pesquisadores são os periódicos em língua inglesa indexados no JCR, para os quais é atribuído anualmente o Fator de Impacto (FI), uma medida do número médio de citações que recebem os artigos publicados naquele periódico em um período de dois anos. O índice foi criado para comparar periódicos dentro de determinadas áreas, mas é invariavelmente usado para avaliar pesquisadores por meio do FI dos periódicos onde publicam, critério desaconselhado pela Thomson Reuters.

Na China, entretanto, publicações na Web of Science se tornaram o parâmetro para avaliar pesquisadores, segundo Cong Cao, especialista em política de pesquisa chinesa na Universidade de Nottingham, Reino Unido. O número de publicações em revistas no SCI nos últimos cinco anos que detém um pesquisador é fator decisivo em promoções na carreira, e apenas nas quais ele é o primeiro autor ou o autor correspondente.

A pressão para publicar é especialmente aguda para pesquisadores das áreas da saúde, onde promoções dos profissionais dependem de publicações, não importando aspectos como a qualidade no atendimento à pacientes. Com metas tão elevadas, é fácil compreender a procura – e oferta – por publicações em periódicos de prestígio.

O reverso da moeda a respeito das companhias que agenciam artigos para compra-e-venda trata de serviços “editoriais” tecnicamente legítimos que elas prestam a autores, como revisão e tradução para o inglês, ajuste de referencias, tabelas e figuras de acordo com as instruções aos autores do periódico, análises estatística, apoio na resposta aos comentários de peer reviewers, etc. Os editores de alguns periódicos SCI renomados dizem recusar os artigos que provém sempre de um mesmo endereço de e-mail, assumindo que se trata de ghostwriting. Outros recebem ofertas de incluir autores em artigos aceitos para publicação em troca de compensação financeira a ele e aos autores do artigo.

Na maioria das vezes, quando confrontadas com anúncios no site de seus periódicos, os editores negam qualquer envolvimento com a comercialização de artigos, como fez o editor de Chinese Medical Journal, no qual o logo da empresa que intermediava as negociações, Sciedit, foi imediatamente removido após contato da Science.

O nível de customização das empresas é impressionante: elas podem não apenas preparar os manuscritos, como também prover os dados para sua redação. “IT’S UNBELIEVABLE: YOU CAN PUBLISH SCI PAPERS WITHOUT DOING EXPERIMENTS” anuncia o banner do site Sciedit. Se o pesquisador estiver inseguro quanto a atrelar seu nome a dados de origem duvidosa, as agencias podem oferecer meta-analises ou artigos de revisão, que são baseados em dados previamente publicados. Outros serviços ainda oferecem um menu de resumos de artigos prontos para terem sua autoria transferida aos pesquisadores, para quem tem pressa de publicar.

A prática de venda de autoria se beneficia, na maioria dos casos, da política de muitos periódicos em aceitar a alteração da composição de autores após o processo de revisão dos manuscritos, uma mudança muitas vezes legítima de acordo com os temas levantados pelos pareceristas. Periódicos em idioma inglês publicados no ocidente contatados por Science que publicaram artigos com autoria modificada declararam desconhecer a prática e se prontificaram a investigar. Uma das formas de coibir a venda de autoria é reforçar os requisitos para atribuir autoria nos trabalhos (quais autores são responsáveis por quais partes do desenvolvimento da pesquisa e redação do manuscrito). Alguns periódicos solicitam, inclusive, que um dos autores seja o responsável pela integridade do artigo e das questões referentes à autoria.

A avaliação de pesquisadores pelo conjunto de sua contribuição à ciência e não apenas pelo FI dos periódicos onde publicam poderá, sem dúvida, contribuir para minimizar a compra de artigos, reduzindo a demanda pelas empresas que as intermediam.

É de extrema importância coibir as práticas antiéticas e ilícitas em pesquisa antes que seus efeitos se reflitam na sociedade e no interesse de todos. Ao contrário do comentário jocoso que se tornou popular na China, SCI não significa “Stupid Chinese Idea”.

Referencias:

Hvistendahl, M. China's Publication Bazaar.
Science 29 November 2013: 1035-1039. DOI:10.1126/science.342.6162.1035
Disponível em: http://www.sciencemag.org/content/342/6162/1035.full?sid=bf2d7b4f-0ec2-477b-8ee7-22acf7134d4b (external link)