Assim, muitos conteúdos de interesse de pesquisadores e da sociedade poderiam não estar sendo publicados devido a receio de ações legais por parte dos periódicos. Este fenômeno, conhecido por "libel chill" ou inibição do direito legal, em tradução livre, está sendo combatido de forma insuficiente por aconselhamento legal ou seguro contra litígio.

Os autores do artigo "How Can Journals Respond to Threats of Libel Litigation?" publicado recentemente no periódico PloS Medicine defendem a publicação aberta das ameaças recebidas pelos periódicos, até que uma mudança na legislação pertinente ocorra.

Uma pesquisa informal feita pelo periódico Science em 2010 entre os 22 mais importantes periódicos médicos revelou que muitos periódicos rejeitam artigos com conteúdo 'claramente difamatório' ou removem material que poderia potencialmente atrair ações legais, apesar de alegar que isso é feito por razões editoriais.

É possível que partes que tenham grandes valores em dinheiro a ganhar ou perder com base no conteúdo de um artigo científico (por exemplo, companhias farmacêuticas) podem tentar exercer sua influencia por meio de ameaças de litígio. Este comportamento poderá ter um impacto significativo nas decisões editoriais, devido ao balanço desigual entre um adversário economicamente poderoso e um periódico ou publisher com recursos limitados. Periódicos menores não teriam chance de sobreviver à menor causa legal, devido aos elevados custos inerentes.

Uma forma de prover apoio aos editores é por meio de consulta jurídica com advogados especializados ou seguros contra litígios. As consultas jurídicas tratam de temas específicos enfrentados pelos editores e podem contribuir para manter a independência editorial do periódico. O seguro contra litígio é uma alternativa mais enconomica, porém muitas vezes pode resultar no aconselhamento para acordos com a parte litigante, como forma a reduzir os custos da ação, mesmo quando há boas chances de vitória por parte do periódico. Cabe lembrar que advogados geralmente desconhecem aspectos técnicos da disputa e estão mais interessados em evitar uma ação legal para a companhia seguradora do que agir em benefício do cliente.

Assim, os autores defendem a pública exposição das ameaças de litígio. Os objetivos desta prática são dissuadir o autor da ameaça e atribuir-lhe responsabilidade, e não retaliação. Esta ação expõe as ameaças ao escrutínio público, aos governos e à imprensa, ao mesmo tempo em que possibilita os periódicos a publicar manuscritos pertinentes a despeito de ameaças e intimidação. A publicação das ameaças de litígio recebidas promove discussão aberta sobre liberdade de expressão, trazendo à tona um aspecto preocupante da pesquisa. Esta conduta irá funcionar tão somente se for adotada por grande parte dos periódicos. Organizações como o International Committee on Medical Journal Editors (ICMJE (external link)), Committee on Publication Ethics (COPE (external link)), ou o World Association of Medical Editors (WAME (external link)) podem apoiar esta iniciativa promovendo a adesão à prática da publicação de ameaças de litígio. Além disso, as organizações poderiam manter, com o apoio de seus membros, uma página Web dedicada à exposição das ameaças dirigidas aos periódicos. A criação de um registro de ameaças de litígio requer também participação ativa do corpo editorial dos principais periódicos da área médica.

Os responsáveis pela criação e manutenção de sites para registros de ameaças de litígio devem estar cientes das consequências legais em publicar tais ameaças. Publicações periódicas muitas vezes são iniciativas multinacionais e o que é lícito sob uma jurisdição pode não ser em outra. Porém, aconselha um advogado especialista em legislação midiática da Universidade de Harvard, "não se sinta ameaçado por um advogado ameaçando-o com uma ação de infração de copyright por republicar o conteúdo de uma carta de ameaças. Este é um argumento legal relativamente fraco e que nenhum advogado está inclinado a perseguir". Existe também a possibilidade de que a tentativa de processar quem publica cartas de ameaça resultar em maior escrutínio público sobre o tema e levar, consequentemente, a mudanças na legislação mais rapidamente.

Periódicos na área médica devem explorar as opções de reafirmar seu compromisso com a independência editorial através da publicação de ameaças de litígio. A orientação de advogados especialistas e seguros contra ameaças de litígio podem reduzir a possibilidade de ações legais, mas não podem blindar as decisões editoriais da inibição do seu direito legal de publicar conteúdos que julgar adequados à sua política editorial. A exposição destas não poderá preveni-las completamente, porém poderá ser uma etapa em direção à exposição do problema, aumentando a responsabilidade e fomentando novas normas sociais, acadêmicas e legais.

Referencia

Persaud N, Ringer T, Lemmens T (2014) How Can Journals Respond to Threats of Libel Litigation? PLoS Med 11(3): e1001615. doi:10.1371/journal.pmed.1001615 . Available from http://www.plosmedicine.org/article/info%3Adoi%2F10.1371%2Fjournal.pmed.1001615 (external link)

Trudo Lemmens (external link) é Professor Associado e Chefe da disciplina de Direito da Saúde e Política da Faculdade de Direito da Universidade de Toronto, com atribuições na Faculdade de Medicina e no Centro Comum de Bioética. Também é membro do Advisory Committee on Health Research (ACHR (external link)), órgão consultivo da OMS que promover e coordena a pesquisa relacionada com o trabalho em saúde internacional.